domingo, 25 de abril de 2010

Resenha: A história da Internet e a credibilidade das fontes de informação na atualidade

por Rodrigo Botelho*

PASSARELLI, B. Do Mundaneum à WEB Semântica: discussão sobre a revolução nos conceitos de autor e autoridade das fontes de informação. Datagramazero (Rio de Janeiro), v. v .9, p. n. 4, 2008.


A descrição histórica de projetos como a cidade do intelecto e um telescópio elétrico conectado a uma linha telefônica capaz de recuperar imagens de documentos a distância são exemplos de algumas das abordagens de Brasilina Passarelli em “Do Mundaneum à WEB Semântica: discussão sobre a revolução nos conceitos de autor e autoridade das fontes de informação” para discutir a revolução que a utilização da Internet causou em estruturas tradicionais da sociedade, como a narrativa linear e os conceitos de autor e autoridade das fontes de informação.

O artigo, publicado em outubro de 2008 na DataGramaZero - Revista de Ciência da Informação, possui uma abordagem que ainda em 2010 se mostra válida, já que os questionamentos apontados por Brasilina ainda se mostram centrais na discussão sobre a sociedade em rede, termo cunhado por Castells (1999) para caracterizar a nova organização que é proposta a partir do fim da guerra fria, globalização e conexão das sociedades em torno das redes de computadores. A gênese do conceito teórico do autor, inclusive, perpassa o artigo em questão em vários momentos, já que a autora claramente compartilha com uma visão nem otimista nem ceticista sobre os processos e interações que tem desencadeado novas relações sociais, estruturas sociais diferentes e novas economia e cultura.


Assim, um novo mundo despontou no final do século XX. Originou-se mais ou menos no fim dos anos 60 e meados da década de 70, na coincidência histórica de três processos independentes: revolução da tecnologia da informação; crise econômica do capitalismo e do estatismo e a conseqüente reestruturação de ambos; e apogeu de movimentos sociais e culturais, tais como: libertarismo, direitos humanos, feminismo e ambientalismo. (PASSARELLI, 2008).


Além de Castells, outros pensadores importantes desse debate também são invocados por Brasilina. Dentre eles, Landow (2006), Lanier (2008), Lyotard (1984), Rheingold (1993), Turkle (1995) e Turner (2006). Destaca-se, porém, o advogado belga, considerado o fundador do que hoje se denomina Ciência da Informação, Paul Otlet (1868-1944). É a ele que se atribui o ambicioso projeto de criação, em 1910, do Mundaneum, um museu que chegou a contabilizar cerca de 70 milhões de entradas. A autora considera este projeto como influenciador de várias outras propostas que, cada qual a seu modo, deram origem ao que conhecemos hoje como Internet. “A visão futurista de Otlet é de tal ordem que oitenta anos depois a maior parte de seus inventos integra a vida do contemporâneo século XXI (...)” (PASSARELLI, 2008).

À abordagem das influencias de Otlet e sua proposta de criação de um controle universal da produção intelectual humana, sucedem-se, no artigo de Brasilina, abordagens importantes para o desenvolvimento histórico da Internet. Neste sentido, são apresentadas as propostas de Vannevar Bush, Ted Nelson e Tim Berners Lee, pensadores importantíssimos no contexto da web. A eles são creditados a proposição do Memex, o cunho do termo hipertexto e o desenvolvimento da própria Internet.

Com essa abordagem histórica, o artigo também chega a uma discussão sobre a existência de três gerações para web. Estas são representadas atualmente pelo que convencionamos chamar de Web 1.0, 2.0 e 3.0. A questão importante, no contexto do debate levantado pela autora, está na definição da última geração, que propõe a Web Semântica, “para denominar uma Web com maior capacidade de busca e auto-reconhecimento dos conteúdos por meio de metadados com descrições ligados aos conteúdos originais” (PASSARELLI, 2008). No mesmo capítulo em que apresenta este conceito, a autora relata iniciativas interessantes de uso e proposições da e para rede, o que certamente é um atrativo à leitura de seu texto, que, apesar de deixar claro em seu resumo que se trata de uma “discussão acadêmica”, possui uma linguagem e recursos narrativos e hipertextuais que fazem com que possa ser facilmente digerido por qualquer leigo.

Toda essa apresentação e contextualização histórica, porém, é uma introdução para a questão central da abordagem de Brasilina, que aparece no capítulo “A revolução nos conceitos de autoria e autoridade das fontes de informação nas plataformas open Access”, onde a autora reflete sobre o que ela chama de “profundas mutações que a comunicação de informações – tanto informal como científica – vêm sofrendo na última década”.


A comunicação científica e o movimento do livre acesso ao conhecimento também vivenciam conflitos na sociedade em rede. Bjork (2005 apud Mueller, 2006) caracteriza quatro categorias de publicações científicas em plataformas abertas: periódicos científicos eletrônicos com peer review; servidores de e-prints temáticos; repositórios institucionais de universidades e auto-arquivamento em páginas pessoais dos autores. No que tange à autoridade das fontes de informação na comunicação científica parece haver consenso que o conflito se instala quando da ausência do processo de peer review, uma vez que a legitimação do saber científico é construída no processo do consenso. (PASSARELLI, 2008)


Nesta reflexão, a Wikipédia será utilizada pela autora para debater a credibilidade e legitimidade dos conteúdos digitais em rede. Duas perguntas expressas no texto chamam a atenção: Ausência de peer review: validação zero? e “Se qualquer pessoa pode editar entradas, como podem os usuários saber se os conteúdos da Wikipedia merecem o mesmo crédito que os de enciclopédias tradicionais como aEnciclopédia Britannica?

A resposta a esses questionamentos certamente não é dada facilmente, nem a autora arrisca posicionamentos deterministas, já que isto nem caberia no ambiente que ela descreve. Como bem apresentado por Brasilina, já não é possível entendermos o mundo a partir das grandes narrativas. Neste debate, que ela traz de Lyotard (1984), predominam “as mini-narrativas que são tópicas, temporárias, contingenciais e relativas” (PASSARELLI, 2008). É por isso, talvez, que a autora é otimista ao terminar seu artigo discorrendo sobre o “futuro do futuro” não a partir da metáfora das sombras, mas das luzes que convivem com estas. O celular é, neste sentido, uma das apostas de Brasilina, já que a partir dele já estão sendo feitos usos que mostram não só uma diferença substancial das mídias de massa, mas seu poder interativo com bases de textos e repositórios dos mais diversos, o que reconfigura até mesmo nossa noção de acervo e fontes de informação. Enfim, é um debate que merece continuidade.


* Rodrigo Eduardo Botelho Francisco é mestre e doutorando em Ciências da Comunicação pela ECA/USP, jornalista, especialista em computação e, atualmente, também Diretor de Comunicação Social da Universidade Federal de São Carlos.

** Resenha elaborada no contexto da disciplina Criando Comunidades Virtuais de Aprendizagem e de Prática, do PPGCOM/ECA/USP.

Nenhum comentário:

Postar um comentário