segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Professor Rodrigo

Em 2009, assumi três disciplinas de graduação no Centro Universitário de Araraquara, a Uniara: uma no curso de Jornalismo, intitulada "Laboratório de Tecnologias Digitais", e outras duas no curso de Design Digital, chamadas Redação e Hipertexto I e II. Assim, além das motivações específicas de um blog, estou assumindo esta ferramenta também como um espaço de diálogo com meus novos alunos e com os que tive que deixar quando tive que me desligar do Instituto Municipal de Ensino Superior de Bebedouro, o Imesb, onde atuei de 2007 a 2008. Para começar esse diálogo, estou disponibilizando alguns arquivos do resultado de meu Trabalho de Conclusão de Curso na graduação, uma revista digital voltada para a temática de meio ambiente e que chamamos de Gaia. Aproveito também para apresentar o Problema do mal [em André Luiz], trabalho de Breno de Lima Andrade que apresenta três narrativas hipermidiáticas adaptadas de livros de André Luiz, expoente do movimento espírita no Brasil. Espero que gostem. Boa navegação.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

A máquina da Canabrava

Mário Prata

No primeiro dia de aula, a professora de História da Economia, na velha USP da Rua Doutor Vilanova, Alice Canabrava, escreveu no quadro negro o nome de um livro sobre o mercantilismo e disse, seriíssima:

- Na próxima aula (dali a uma semana), prova sobre o livro.
Era o estilo dela, que eu já havia enfrentado no exame oral (é, tinha oral) do vestibular para economia em 1967. Me lembro que ela me perguntou qual era a diferença entre uma nau e uma caravela. Na época, eu sabia.
Mas o mundo é pequeno e trinta anos depois vim a descobrir que a Canabrava era tia da minha amiga escritora-arquiteta Lúcia Carvalho, aquela mesma que já andou por aqui falando de privadas e congêneres. Era tia. Morreu há um mês, já velhinha, aposentada e lúcida. Deixou sua casa - com tudo que tinha lá dentro, incluindo uma genial biblioteca - para a Lúcia.
E a Lúcia acaba de me mandar um e-mail que eu transcrevo na íntegra, sobre uma velha máquina da catedrática tia. Vamos lá.
"Ouve só. A gente esvaziando a casa da tia neste carnaval. Móvel, roupa de cama, louça, quadro, livro. Aquela confusão, quando ouço dois dos meus filhos me chamarem.
- Mãe!
- Faaala.
- A gente achou uma coisa incrível. Se ninguém quiser, pode ficar para a gente? Hein?
- Depende. Que é?
Os dois falavam juntos, animadíssimos.
- Ééé... uma máquina, mãe.
- É só uma máquina meio velha.
- É, mas funciona, está ótima!
Minha filha interrompeu o irmão mais novo, dando uma explicação melhor.
- Deixa que eu falo: é assim, é uma máquina, tipo um... teclado de computador, sabe só o teclado? Só o lugar que escreve?
- Sei.
- Então. Essa máquina tem assim, tipo... uma impressora, ligada nesse teclado, mas assim, ligada direto. Sem fio. Bem, a gente vai, digita, digita...
Ela ia se animando, os olhos brilhando.
- ... e a máquina imprime direto na folha de papel que a gente coloca ali mesmo! É muuuito legal! Direto, na mesma hora, eu juro!
Eu não sabia o que falar. Eu ju-ro que não sabia o que falar diante de uma explicação dessas, de menina de 12 anos, sobre uma máquina de escrever. Era isso mesmo?
- ... entendeu mãe?... zupt, a gente escreve e imprime, a gente até vê a impressão tipo na hora, e não precisa essa coisa chata de entrar no computador, ligar, esperar hóóóras, entrar no word, de escrever olhando na tela, mandar para a impressora, esse monte de máquina, de ter que ter até estabilizador, comprar cartucho caro, de nada, mãe! É muuuito legal, e nem precisa de colocar na tomada! Funciona sem energia e escreve direto na folha da impressora!
- Nossa, filha...
- ... só tem duas coisas: não dá para trocar a fonte nem aumentar a letra, mas não tem problema. Vem, que a gente vai te mostrar. Vem...
Eu parei e olhei, pasma, a máquina velha. Eles davam pulinhos de alegria.
- Mãe. Será que alguém da família vai querer? Hein? Ah, a gente vai ficar torcendo, torcendo para ninguém querer para a gente poder levar lá para casa, isso é o máximo! O máximo!
Bem, enquanto estou aqui, neste 'teclado', estou ouvindo o plec-plec da tal máquina, que, claro, ninguém da família quis, mas que aqui em casa já deu até briga, de tanto que já foi usada. Está no meio da sala de estar, em lugar nobre, rodeada de folhas e folhas de textos 'impressos na hora' por eles. Incrível, eles dizem, plec-plec-plec, muito legal, plec-plec-plec.
Eu e o Zé estamos até pensando em comprar outras, uma para cada filho. Mas, pensa bem se não é incrível mesmo para os dias de hoje: sai direto, do teclado para o papel, e sem tomada!
Céus. Que coisa. Um beijo grande, Lúcia."
É, Lúcia, a nossa querida Alice Canabrava, deve estar descansando em paz e rindo muito. E dê uns beijos nos filhos e agradeça a crônica pronta-pronta, plec-plec-plec, que eu ofereço aos meus leitores. E leitoras.

Publicado em O Estado de S. Paulo em 12/03/2003
Fonte: http://www.marioprataonline.com.br/obra/cronicas/a_maquina_da_canabrava.htm

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Abrindo o jogo

Confesso que há anos reluto em montar um blog. Muitos já me perguntaram: "como é que você, um jornalista que estuda novas tecnologias, não tem um blog?". Enfim, não há explicação convincente pra tal demora. Há, porém, uma nova motivação. Não se trata de querer falar de mim, nem dos outros, de lamentar do mundo e, muito menos, enaltecer alguns. Quero mesmo é estabelecer redes, conectar pessoas, coisas, assuntos, acasos e fragmentos de tudo que possa vir a ser. É o desejo latente de manter-me ligado e vivo neste mundo cada vez mais traduzido numa sequencia infindável de zeros e uns. É a atração pelo digital por um pensamento que teve tempo de aprender o que significa análógico.