quinta-feira, 18 de junho de 2009

Papo na cozinha

Há alguns dias escrevi um artigo sobre as comemorações do Dia da Imprensa e Dia da Liberdade de Imprensa. Na ocasião, usei a expressão "órfã" para caracterizar os Meios de Comunicação Social, tendo em vista que recentemente o Supremo Tribunal Federal (STF) revogou a Lei de Imprensa. O tom do texto, naquela ocasião, era, de certa forma, otimista, já que expurgar tal legislação era como se livrar de resquícios da Ditadura. Hoje, porém, a decisão do STF em relação à obrigatoriedade do diploma de jornalismo, passo a notar que os problemas vividos pela sociedade em relação aos seus meios de expressão são bem mais graves.

Com a decisão do STF, o Brasil está órfão não só de legislação, como de qualquer mecanismo que garanta a qualidade, credibilidade e ética no trabalho de profissionais que, diariamente, são responsáveis por relatar o que ocorre no mundo e permitir que milhões de brasileiros tenham a liberdade de formar opinião sobre o que é fato. Em minha análise, que pouco importa aos magistrados, há um equívoco no entendimento do que significa a "liberdade de expressão" garantida em nossa Constituição. Afinal, desde quando o jornalista tem liberdade para manifestar seu pensamento. Bem sabemos que sua atuação é pautada por um conjunto de critérios que impedem, de alguma forma, que a opinião do profissional prevaleça diante das afirmações da fonte da notícia. O jornalista não expressa, nem opina. Por outro lado, ele faz a mediação que garante, na prática, a expressão da sociedade por meio da mídia.

Nesse episódio, porém, lamento menos a decisão que os discursos que a embasaram. Se o argumento constitucional é tendencioso e usado para referender interesses particulares, algumas afirmações dos ministros que julgaram a ação são inadimissíveis. As palavras de Gilmar Mendes, ao comparar a atividade jornalística à prática da culinária e do corte e custura tem um tom jocoso que mostra descaso e a falta de seriedade na condução deste julgamento.

Como se pode notar, o que está em jogo não é a exigência do diploma, mas a fragilização da profissão de jornalista. O fato de o recurso que estava sendo julgado ter sido apresentado pelo Sindicato das Empresas de Rádio e Televisão no Estado de São Paulo (Sertesp) revela, inclusive, a quem interessa, de fato, o fim da obrigatoriedade do diploma. Apesar de afirmarem que continuarão a formação superior no momento das contratações, os donos da mídia irão, sem dúvida, utilizar a decisão do Supremo para minar as negociações salariais com os já fracos Sindicatos e para atuar sem nenhum critério ético e profissional na contratação de seus funcionários.

Como bem lembra o jornalista Leandro Fortes em seu blog, a decisão do STF é deficiente porque leva em consideração somente a grande Imprensa e fecha os olhos para o que ocorre na realidade nas pequenas redações espalhadas por várias capitais brasileiras e interior.

Enfim, tanto a decisão sobre a obrigatoriedade como a que envolve a revogação da lei de Imprensa refletem, na verdade, a ineficiência do Poder Legislativo, que até hoje não promoveu um debate sério sobre o assunto. Esta nova decisão do STF só ocorre porque o Congresso Nacional não funciona, está em crise e envolvo em escândalos.

É possível também que a condução do assunto pelo Supremo só tenha ocorrido dessa forma diante da apatia dos próprios jornalistas em relação à causa. Fosse esta uma classe mais crítica, combativa e bem representada, não teríamos tal desfecho. Recordo, inclusive, que o projeto de criação do Conselho Federal de Jornalismo (CFJ) foi arquivado diante da pressão do empresariado. Tivéssemos hoje um órgão de classe não teríamos sido obrigados a ouvir as bobagens de Mendes.

Aliás, insisto na tese de que o problema não é a exigência ou não de diploma. Condordo que há muitos profissionais mal formados e outros que não dependem dessa formação para exercerem a profissão. Porém, deve haver regulação. Senão, onde serão tratadas as questões éticas que envolvem o exercício do jornalismo?

Infelizmente, na visão do Supremo, essa prática profissional não interfere na vida das pessoas, assim como a medicina, engenharia e direito. Com isso, os ministros tapam o sol com a peneira e esquecem episódios como o da Escola Base, no qual publicação precipitada de uma informação afetou substancialmente a vida de um grupo de pessoas e seus negócios. A partir de agora, onde discutiremos casos como este?

Nesse cenário, faz sentido o apelo da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), que conclama o poder legislativo para "restabelecer aquilo que o Supremo está sonegando à sociedade, que é um jornalismo feito com competência técnica, alto sentido cultural e ético". Até que façamos uma reflexão ampla sobre as questões que envolvem às comunicações no Brasil, e que vão muito além da exigência de diplomas, estaremos órfãos de pai e mãe. E não dá para manter o papo na cozinha.

2 comentários:

  1. Muito bom o texto e a também a postagem anterior sobre "Jornalismo para não jornalistas!".

    Mas é uma pena que uma profissão como essa tenha sido reduzida a este ponto.

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  2. Bom, sobre as suas palavras não tenho nem o que falar, você escreve muito bem e consegue transmitir o que deseja.
    Estão tentando fazer com o Jornalismo a mesma coisa que fizeram com o ensino Médio, não havendo mais reprovas e todo mundo saio comemorando achando que seria um bom negócio, bom negócio sim para os que não gostam de estudar, e só querem concluir os estugos, independente de saberem alguma coisa ou não.
    Agora como disse o Seabra, é uma pena o valor que nossos políticos dão não somente aos profissionais de Jornalismos, mais em muitas outras coisas também.
    Grande Abraço Botelho
    Paulo Roberto

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